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Rio

Mulheres ligadas ao Rio entrevistam umas as outras, jogando luz sobre ações e levantando ideias para a cidade

Personalidades da cidade representam as áreas de Educação, Ciência, Segurança, Cultura e Política
Da esquerda para direita: Claudia Moraes, Panmela Castro, Claudia Costin, Marilda Siqueira e Tainá de Paula Foto: Montagem
Da esquerda para direita: Claudia Moraes, Panmela Castro, Claudia Costin, Marilda Siqueira e Tainá de Paula Foto: Montagem

RIO — Na véspera do Dia Internacional da Mulher, o GLOBO dá espaço para cinco personalidades conhecidas dos cariocas, de diferentes áreas, comandarem as entrevistas. Representando a Ciência, a Educação, a Segurança, a Cultura e a Política, elas lançam aqui perguntas umas às outras, num verdadeiro círculo de debate que traz à tona boas iniciativas e também soluções para o Rio.

O grupo é de peso. Uma delas é Claudia Costin, ex-secretária municipal de Educação e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), que dialoga nesta página com Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Marilda, que com sua equipe se debruça sobre o sequenciamento genético das variantes do coronavírus, entrevista a arquiteta e urbanista Tainá de Paula, vereadora no seu primeiro mandato, pelo PT.

A vereadora, por sua vez, faz sua pergunta para Claudia Moraes, tenente-coronel da PM e idealizadora do programa Patrulha Maria da Penha - Guardiões da Vida. A policial, premiada por sua atuação no serviço público, conversa com Panmela Castro, grafiteira reconhecida internacionalmente, que usa a arte para combater o machismo e a violência contra a mulher. Fechando a roda, a artista plástica, que começou a transformar muros em telas na comunidade de Tavares Bastos, tira sua dúvida sobre equidade na educação com Claudia Costin.

Claudia Moraes

Políticas públicas no combate a uma violência invisível contra as mulheres

Tenente-coronel da PM, Claudia Moraes coordena o programa Patrulha Maria da Penha Foto: Ana Branco
Tenente-coronel da PM, Claudia Moraes coordena o programa Patrulha Maria da Penha Foto: Ana Branco

Tainá de Paula: Como é precisar lutar por mais recursos para a efetivação plena da Patrulha Maria da Penha? E como nós mulheres podemos contribuir com esse desafio?

A Patrulha Maria da Penha - Guardiões da Vida é um programa da PM com foco na prevenção da violência contra a mulher, especialmente o feminicídio, e que em menos de dois anos já atendeu mais de 18 mil mulheres.

O direito a uma vida livre de violência é de todos, indistintamente. Porém, no caso das mulheres, a violência é permeada por fatores culturais e estruturais da sociedade.

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Além de expostas a diversas formas de violência, as mulheres também são potencialmente vulneráveis à violência doméstica, um tipo invisível e perverso. Mas políticas públicas como a Patrulha buscam diariamente enfrentá-la de forma técnica e humanizada. A implementação do programa, em agosto de 2019 em todo o estado, só foi possível por conta do engajamento da alta gestão da Polícia Militar do Rio.

A aprovação que temos recebido sinaliza que a direção está correta. A avaliação e críticas das mulheres a esse e a outros programas com mesmo foco sempre serão bem-vindas e necessárias para a melhoria constante das políticas públicas.

Panmela Castro

Nas artes urbanas, elas lutam contra o machismo e fazem a própria cena

Panmela Castro tem programas de formação para novas artistas por meio da rede NAMI Foto: Bruno Kaiuca
Panmela Castro tem programas de formação para novas artistas por meio da rede NAMI Foto: Bruno Kaiuca

Claudia Moraes: Na arte do grafite, somos muitas ou poucas? E quais os desafios das mulheres nesse universo?

Somos muitas. Há dez anos, desde que fundei a Rede NAMI, realizo com outras mulheres e coletivos o trabalho de usar as artes para difundir o feminismo e nossos direitos. No Rio, temos programas de formação para novas artistas, que atingiram grande escala a partir de 2015, com o AfroGrafiteiras, que privilegiou mulheres negras: segundo estatísticas de feminicídio, são elas as que mais vêm sendo assassinadas.

Existe toda uma nova geração de artistas ativistas no Rio e no Brasil que surgiu a partir do nosso empenho, e nossos direitos são pautas constantes nessa produção urbana. O machismo e o racismo dificultam a jornada das artistas. Ganhar menos, serem preteridas, serem questionadas e terem seus trabalhos desqualificados são constâncias em nossa jornada.

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Ser mulher artista nas artes urbanas é ter que lutar todo o dia pelo mínimo de respeito. Por isso, hoje temos tantos coletivos formados somente por mulheres. Porque, em vez de nos submeter e aguardar que o circuito tradicional nos dê alguma oportunidade, nós fazemos nossa própria cena, com nossos murais, nossos projetos e nossas exposições.

Claudia Costin

Na educação pública, mais ações para quem tem menos

Professora da FGV, Claudia Costin luta contra a oferta de um ensino de segunda classe para os mais vulneráveis Foto: Roberto Moreyra
Professora da FGV, Claudia Costin luta contra a oferta de um ensino de segunda classe para os mais vulneráveis Foto: Roberto Moreyra

Panmela Castro: A educação brasileira tem como base um sistema meritocrata? Como tornar o processo educacional mais justo?

Demoramos muito para universalizar o acesso ao ensino fundamental. A partir da última década do século XX, fomos progressivamente construindo avanços, lentos demais, é verdade, na qualidade da educação. Certamente, a base do acesso à universidade é meritocrático, mas é complicado falar em mérito numa sociedade tão desigual. Mas existe um risco tão grave quanto uma meritocracia míope: a oferta de um ensino de segunda classe para os mais vulneráveis. É contra isso que luto. Temos que ter, como bem coloca o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4, “educação de qualidade com equidade, para todos”. Significa resultados de aprendizagem relevantes e efetivos: garantir que todos permaneçam na escola e aprendam. Isso demanda ações afirmativas para os mais vulneráveis, ou seja, oferecer mais para quem tem menos. Foi o que tentei fazer no Rio.

Marilda Siqueira

Nas salas de aula, ensino de ciências integrado ao meio ambiente

Marilda Siqueira é chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz Foto: Arquivo pessoal
Marilda Siqueira é chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz Foto: Arquivo pessoal

Claudia Costin: Como estimular na educação básica que mais meninas se interessem por pesquisa científica?

Na pesquisa científica, como em tantas outras áreas, as conquistas femininas vêm avançando. Na Fiocruz, as mulheres já são maioria entre os pesquisadores, e nossa presidente, Nísia Trindade Lima, foi reconduzida ao cargo após votação recorde. O país precisa investir mais e melhor na educação básica, com a criação de aulas de ciências que integrem mais as crianças e os jovens ao meio ambiente, à natureza. Além das atividades em sala, é necessário que o poder público e as instituições promovam ações que mostrem, de forma lúdica, o que é a Ciência e o grande impacto que ela tem em nossas vidas. Conhecer mulheres cientistas também é importante para desfazer estereótipos de gênero associados à profissão. Aqui temos muitos exemplos de como as mulheres podem ir longe na Ciência e trazer grande contribuição para a Humanidade.

Tainá de Paula

Sem moradia digna, não existe vida saudável

'É necessário fazer com que o poder público se comprometa com a redução das desigualdades', diz a vereadora Tainá de Paula Foto: Divulgação
'É necessário fazer com que o poder público se comprometa com a redução das desigualdades', diz a vereadora Tainá de Paula Foto: Divulgação

Marilda Siqueira: Como unir a política, a arquitetura e o urbanismo em ações que levem oportunidades e conhecimento a moradores das favelas?

O problema da moradia, do saneamento, da mobilidade, enfim, do direito à cidade é sobretudo político. É necessário fazer com que o poder público se comprometa com a redução das desigualdades, garantindo o acesso de toda a população aos direitos básicos. Sem uma moradia digna, não é possível ter uma vida saudável, estudar adequadamente e até mesmo conseguir um emprego. É preciso uma política habitacional e urbana que compreenda tanto a produção de novas moradias como um programa de melhorias urbanas que atenda os mais pobres. Desde os anos 80, experiências por todo o Brasil demonstram que, quando os projetos habitacionais são geridos com a participação dos próprios moradores, o resultado é de muito melhor qualidade. Olhar o retrovisor do passado colonial e acabar com as desigualdades deveriam ser metas do século para as cidades do Brasil.